Pedro Miguel Rodrigues é docente e investigador, co-coordenador da licenciatura em Bioengenharia na área da Engenharia Biomédica e membro da direção da Escola Superior de Biotecnologia. Entre investigação e ensino, dedica-se sobretudo ao diagnóstico precoce de doenças neurodegenerativas. O que o move? “O impacto real que podemos ter na vida das pessoas”. Nesta entrevista, fala sobre os desafios da inteligência artificial, a importância de cultivar o empreendedorismo científico e o valor de um ensino de proximidade, marca distintiva da Escola Superior de Biotecnologia.
Nasceu em Seia, na Serra da Estrela. Quais são as suas memórias de infância?
Nasci num interior por vezes esquecido… Talvez por isso tivesse a possibilidade, ao contrário das grandes cidades, de em criança estar na rua até muito tarde, a jogar com os amigos, até os meus pais me virem “buscar por uma orelha”. Foram tempos muito bons. Fui muito feliz. Não trocava por nada.
Quais eram as disciplinas que o entusiasmavam na escola?
Sempre gostei de matemática, é a base da engenharia. A lógica por trás das coisas e os números sempre foram um fascínio. Hoje em dia, trabalho com programação aplicada ao desenvolvimento de tecnologias para a saúde e também na área alimentar. Teria gostado de ter sido professor de matemática, ainda que por diversas razões não tenha surgido. Foi quando cheguei à faculdade que achei que a engenharia aplicada à saúde faria sentido, porque também gosto muito de criar soluções para as pessoas.
Quando se forma em Engenharia Biomédica, era uma área ainda pouco conhecida …
Foi desafiante! Naquela altura, a Biomédica ainda era pouco visível; não tinha grande repercussão a nível nacional e mesmo internacional. Foram as primeiras “fornadas” que saíram desse curso. Claro que um curso novo é sempre mais difícil de se afirmar no mercado, mas, por outro lado, também abre outras portas.
Foi um curso que correspondeu às minhas expectativas e até as superou. A formação que recebi deu-me os alicerces necessários para, hoje, atuar em diversas áreas. E é isso que queremos ver num curso: que nos forme para, no fundo, sermos empreendedores e criarmos novas ferramentas, seja ou não dentro da área de especialidade. Depois da licenciatura, segui para o mestrado, onde me especializei no tratamento de dados inteligentes e na criação de soluções tecnológicas.
Quando é que surge a ideia de seguir a carreira académica?
Tive uma experiência de aproximadamente um ano em Valladolid, em Espanha. O trabalho diário com aqueles investigadores foi muito gratificante e permitiu-me crescer muito.
Essa experiência fez-me perceber que queria formar alunos para o mercado, colocar o meu conhecimento ao dispor deles e ajudá-los a crescer, tal como outros fizeram comigo. O meu orientador da tese de mestrado foi muito proativo e deu-me todas as oportunidades. Estive na China com ele; mostrou-me um pouco do mundo. Essa possibilidade de disseminar conhecimento e partilhá-lo com outras pessoas foi importante para o meu crescimento. Por conseguinte, parti para o doutoramento! A minha motivação é ensinar os alunos a perceberem que o mundo não termina no laboratório, porque existe um mundo lá fora e temos de partilhar o que sabemos. Só assim há crescimento, pessoal e científico, numa comunidade cada vez mais em ebulição e mais competitiva.
“O que me fascina na Biomédica é o impacto real que podemos ter na vida das pessoas”
O que é que o fascina na área da Biomédica?
O que me fascina é o impacto real que podemos ter na vida das pessoas. Durante o meu doutoramento, vi pacientes em estágios iniciais de Alzheimer que, em dois ou três anos, já estavam em fases muito avançadas, incapazes de realizar tarefas simples do dia a dia. É marcante ver o declínio cognitivo e motor destes pacientes. Se posso fazer algo que minimize este declínio, acho que é a minha missão.
Trabalho muito em diagnóstico e soluções que permitem detetar patologias numa fase muito inicial, o que possibilita aplicar fármacos que reduzem o sofrimento e os sintomas. Atualmente, lidero uma equipa de investigação responsável por desenvolver soluções de apoio ao diagnóstico de Alzheimer, mas também para outras patologias neurodegenerativas. Quase todos nós conhecemos alguém com uma patologia neurológica. Os alunos que passam por mim - em mestrados, trabalhos finais ou doutoramentos - também lidam com estes casos, e isso marca-os. Trabalhar nesta área permite-nos deixar uma marca positiva e útil. E isso é exatamente o que os alunos também procuram: fazer algo relevante e deixar o seu contributo.
“Ao contrário da inteligência artificial, que recria, tentamos motivar os alunos a criar.”
O que é que distingue o ensino da Escola Superior de Biotecnologia?
Temos um ensino muito prático, muito focado no “fazer”, ao contrário de um ensino puramente teórico. Aqui na ESB tentamos motivar os alunos através de experiências que os façam pensar e, acima de tudo, criar novas coisas. Ao contrário da inteligência artificial, que recria, tentamos motivar os alunos a criar. Isso ajuda a prepará-los para o mundo do trabalho. Lá fora, precisamos de ser cada vez melhores e só vendo casos de estudo práticos e percebendo os problemas na prática é que os alunos entendem verdadeiramente os conceitos, que muitas vezes são abstratos. É importante formar alunos com capacidade criativa, pró-ativos e com espírito crítico.
Antes de começarmos a ouvir falar em inteligência artificial, já há muito tempo que se debruçava sobre essa matéria …
Desde a licenciatura! O meu trabalho final já foi sobre a aplicação de redes neuronais artificiais, numa altura em que ainda passávamos muito tempo à frente do computador à espera dos resultados. Era até eletrizante: quando aparecia um número no ecrã, pensávamos “aprendeu!”. O sistema tinha aprendido. Naquela altura, e estamos a falar de quase há 20 anos, o poder computacional era muito menor. Era preciso ter alguma resiliência, esperar bastante até surgirem resultados. Atualmente, isto demora alguns segundos, a evolução foi enorme.
Como lida com os desafios da inteligência artificial generativa?
Eu trabalho diariamente com IA a nível de laboratório. É uma inteligência artificial preditiva, que precisa de ser programada e treinada, e, por isso, diferente da inteligência artificial generativa que gera novos dados. Sou cético quanto a esta última vingar, pelo menos nos moldes como foi criada. O problema é que a IA atual se alimenta de tudo e pode dar respostas subjetivas ou inconsistentes. Acredito numa IA generativa 2.0, mais direcionada e especializada, cujos dados sejam catalogados por especialistas. Só assim podemos ter certezas sobre o que a IA nos diz.
A IA deve ser usada como ferramenta, tal como a calculadora simplificou a nossa vida para fazer contas. Deve ser usada com espírito crítico: ajuda, mas quem decide, cria, executa - ou manda executar - a solução somos nós. Portanto, encorajo os alunos a usar a IA para acelerar processos, mas mantendo sempre a responsabilidade sobre o que fazem.
“Uma ideia não deve ficar apenas no laboratório, precisa de chegar à sociedade para que possamos evoluir.”
Como é que desafia os seus alunos?
Tento incutir-lhes este espírito empreendedor: criar o próprio negócio, levar ideias ao mercado. Uma ideia não deve ficar apenas no laboratório, precisa de chegar à sociedade, direta ou indiretamente, para que possamos evoluir. Resultados brilhantes que não chegam ao mundo exterior são conhecimento perdido. Por isso, incentivo os alunos a fazerem as ideias florescer e a torná-las acessíveis.
E o que é que aprende com os seus alunos?
Aprendo muito com os alunos, muitas vezes em situações adversas. Os alunos trazem novas perspetivas e, às vezes, soluções mais simples que não tínhamos considerado. Eles ajudam-nos a “voltar à Terra” e a ver o que realmente importa.
Pessoas em Destaque é uma rubrica de entrevistas da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto.