Em 2014/15 os alunos de Genética Geral foram desafiados a refletir sobre a importância da Genética no presente e futuro da sociedade. Este é um dos trabalhos resultantes.
Beatriz Azevedo Lemos
Cientistas Japoneses produziram tecido a partir de seda de aranha transgénica, implementando o gene de aranha em espécies comuns de bicho-da-seda. Este novo fio é mais resistente do que a seda comum e poderá ser utilizado na área biomédica, para reparar tendões e ligamentos e fabricar fios de sutura.
Morfologia e caraterísticas da aranha
A aranha pertence ao filo Arthropoda[1], possui o corpo segmentado em simetria bilateral, com membros articulados, revestido por um exosqueleto com uma cutícula de quitina. Tem o corpo separado em dois segmentos (tagmas) -o cefalotórax (cabeça e tórax) e o abdómen- e 4 pares de pernas. Estes dois segmentos estão ligados pelo pedicelo que une os tagmas permitindo que o abdómen se mova livremente enquanto produz seda para a construção das teias. No extremo do abdómen situa-se o ânus e o apêndice abdominal que envolve a glândula responsável por segregar o fio com que constrói as suas teias.
Composição química e características da seda de aranha
As proteínas filamentosas da seda de aranha, designadas por fibroínas, são constituídas por dois aminoácidos -alanina e glicina- que permitem que as cadeias polipeptídicas encontradas na conformação β se liguem entre si por interações fracas[2], conferindo grande flexibilidade, resistência e elasticidade à estrutura. O fio da seda de aranha pode ser esticado até 30-40%[3] do seu comprimento sem se quebrar. A sua configuração molecular pode variar e adaptar-se facilmente à temperatura e à humidade do meio em que se encontra. A super contração[4] das fibras da seda implica uma drástica diminuição do seu tamanho, encolhendo, quando humedecidas em presença da chuva ou de acumulação de gotas de orvalho. A maioria dos insetos produz apenas um tipo de seda, como é o caso do bicho da seda, no entanto, existem algumas espécies de aranha (Nephila clavipes, Araneus diadematus)[5] que podem produzir até sete tipos diferentes de seda, cada uma com uma função biológica específica; nomeadamente para tecer as teias; envolver e armazenar as presas capturadas; construir os seus refúgios e os abrigos dos ovos e crias; movimentar-se ao longo da teia ou usar a seda como reserva alimentar.
Morfologia do bicho da seda
O bicho-da-seda pertence ao filo Arthropoda[1], e como a maioria dos insetos, passa por quatro fases de desenvolvimento durante o seu ciclo de vida: ovo, lagarta, pupa e adulto. Por ser um artrópode apresenta o corpo dividido em cabeça, tórax e abdómen. A lagarta, apresenta o corpo segmentado em 13 anéis de forma cilíndrica, em que os 3 primeiros, a partir da cabeça, constituem o tórax e os outros 10 o abdómen. A seda produzida pelo bicho da seda é produzida por duas glândulas sericígenas que se encontram na boca do inseto.
Caraterísticas do fio do bicho da seda
A espécie de origem japonesa, Bombyx mori, é a mais utilizada, por ser de fácil criação e produzir grandes casulos de seda. A seda produzida pelo bicho da seda é composta por duas proteínas, a sericina e a fibroína[6], que são produzidas pelas glândulas sericígenas que se encontram na boca do inseto. Cada uma das glândulas encontra-se dividida em 3 partes, a posterior, onde é secretada a fibroína, a mediana, onde é secretada a sericina e a anterior onde ocorre a junção das duas proteínas que formarão o fio da seda. Este é formado por dois filamentos de fibroína que fazem parte do centro estrutural da seda revestidos pela sericina, um material pegajoso. A fibroína por sua vez é composta pelo aminoácido glicina que lhe confere rigidez, elasticidade e resistência à quebra. De cada casulo é possível obter-se 458 a 1000 m de seda contínua, no entanto, para que tenha valor comercial os casulos são mergulhados em água quente para que a larva não os perfure e os filamentos da sericina sejam separados da fibroína da seda.
Processo de produção de seda transgénica
Investigadores do Instituto Nacional de Ciências Agroecológicas, Tóquio (Japão), conseguiram produzir tecido a partir de seda de aranha transgénica[7], alterando geneticamente os bichos da seda para que estes incorporassem DNAs específicos extraídos das aranhas. Quando os bichos da seda transgénicos tecem os seus casulos, a seda produzida adquire maior elasticidade e força, aproximando-se da qualidade da seda natural da aranha. O fio natural produzido pelas aranhas é cinco vezes mais forte que um fio de aço do mesmo tamanho, no entanto, as aranhas produzem quantidades muito reduzidas de fibra e exibem um comportamento selvagem, territorial, carnívoro e canibal, tornando complexa a sua criação. Para contornar estas adversidades, os cientistas utilizaram o bicho da seda Bombyx mori por ser uma espécie mais fácil de manipular e produzir grandes quantidades de casulos de seda num curto espaço de tempo -cerca de um mês. Ao utilizarem bichos da seda que receberam o gene da aranha criaram um material híbrido novo, tecido por bichos da seda capazes de produzir fios com as mesmas proteínas da teia de aranha e que apresenta a característica de ser muito mais resistente e elástico que a seda normal.
Aplicações
A seda transgénica pode ter múltiplas aplicações nas áreas biomédica, militar e têxtil. Nomeadamente na produção de fio de sutura mais fino e mais resistente, reparação ou substituição de tendões e ligamentos, em instrumentos óticos, em linhas de pesca, para produção de roupas para atletas e coletes à prova de balas, ou até mesmo airbags de automóveis mais resistentes. Poderá ainda ser usada como um substituto sustentável para os plásticos, tornando-os mais flexíveis e deformáveis através da junção da fibroína da seda da aranha com polímeros.
Opinião
A compreensão dos processos de secreção das sedas quer da aranha quer do bicho da seda permite que se desenvolvam novos materiais de aplicação biotecnológica. Visto que a fibroína produzida por estes dois insetos confere resistência, flexibilidade e elasticidade às sedas produzidas, permite ao homem alterar geneticamente a seda e transformá-la na seda transgénica que será utilizada nas áreas biomédicas, militares ou têxtil. No entanto, estas aplicações podem ficar limitadas no tempo pelo facto de as sedas serem materiais biológicos que apesar de apresentarem uma resistência superior à do aço são formadas por proteínas que se biodegradam com facilidade.
[1] Barroso,H et al (2014) Microbiologia médica. Volume 1, 1ªed. (pp 58). Lisboa:Lidel.
[2] Nelson, D. L.; Cox, M. M. (2008) Lehninger Principles of Biochemistry. 5th ed. (pp 128). New York: W.H. Freeman and company.
[3] Ayoub. N, et al. (2012) Ancient Properties of Spider Silks Revealed by the Complete Gene Sequence of the Prey-Wrapping Silk Protein. NCBI. Acedido em 24 de Novembro de 2014 em www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3563967/
[4] Agnarsson I, et al.(2008) Supercontraction forces in spider dragline silk depend on hydration rate. Elsevier. Acedido em 9 de Novembro de 2014 em www.theridiidae.com/uploads/6/6/8/0/6680387/agnarssonetal2009zoology.pdf
[5] Hayashi, C. (2011) O esplendor da seda de aranha. TEDtalk. Acedido em 24 de Novembro de 2014 em www.ted.com/talks/cheryl_hayashi_the_magnificence_of_spider_silk/transcr...
[6] Carvalho, D. (2007) Caracterização molecular de proteínas de sedas de aranhas da biodiversidade brasileira. UNB. Acedido em 9 de Novembro de 2014 em www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_...
[7] Euronews (2014) Novo tecido feito com seda de aranha transgénica. Acedido em 10 de Outubro de 2014 em www.pt.euronews.com/2014/10/07/novo-tecido-feito-com-seda-de-aranha-tran...