Por: Lourenço Rezende

Com o advento da modernidade, no século XIX, as necessidades e os desejos da população sofreram uma enorme transformação. Fruto da industrialização e dos ideais da revolução francesa, uma nova classe média surgiu enriquecida e influente. Rapidamente, numa sociedade onde os lares sem servos se tornaram a regra, novas atividades, papéis e estratégias de gestão do tempo foram abraçadas pela maioria das famílias.
A arte de cozinhar não foi imune a tais pressões sociais e rapidamente surgiu a necessidade de novos arranjos de cozinha adaptados ao recente modo de vida. Na década de 1930 Lillian Moller Gilbreth propôs a padronização das cozinhas para a disposição em forma de L. Este esquema, que mais tarde veio a ser conhecido como o "triângulo de trabalho" de cozinha, visava melhorar a eficiência. Focando-se na distância entre a zonas de confeção (fogão), lavagem/preparação (pia) e armazenamento (frigorífico), o triângulo de cozinha foi criado por razões ergonómicas e não por preocupações de segurança durante a manipulação e preparação dos alimentos.
Na realidade o ambiente doméstico é uma das fontes mais comuns de surtos alimentares. Por isso a equipa de investigadores do projeto Safe Consume, liderado na Escola Superior de Biotecnologia pela Prof. Doutora Paula Teixeira, esteve a avaliar se existe alguma relação relevante entre os eventos de contaminação e a organização das cozinhas.
E a resposta é sim: a organização espacial assente no triângulo de trabalho não fomenta boas práticas de higiene alimentar. Para assegurar um ambiente mais seguro e reduzir o número de contaminações cruzadas de alimentos a investigação realizada aponta para a utilidade da criação de um novo esquema de cozinha: o Triângulo de Segurança Alimentar. Este novo conceito coloca como vértices do triângulo a área de preparação dos alimentos (bancada), a área de lavagem (pia) e a área de confeção (fogão).
Uma vez que a maioria das contaminações cruzadas envolvendo o contacto com o frigorífico pode ser evitada através de um bom planeamento e limitando a interação com o equipamento durante a confeção, e porque a bancada é o local onde é realizada a maior parte da preparação das refeições, a proposta desvia a atenção para esta última.
Recomenda-se um perímetro máximo de 4 metros para o Triângulo de Segurança Alimentar, uma vez que grandes distâncias entre cada um dos vértices resultam em maior probabilidade de contaminação cruzada. Além disso, uma distância inferior a 1 metro de distância entre a pia e a bancada parece encorajar a lavagem sistemática das mãos e das ferramentas de cozinha: em cozinhas onde esta distância é superior a 1 metro os eventos de contaminação cruzada são 9 vezes mais elevados.
De qualquer forma a formação dos consumidores não pode ser negligenciada uma vez que a conceptualização de cozinhas que favoreça práticas de higiene é uma condição necessária, mas não suficiente, para garantir a redução de riscos. Tornar os consumidores conscientes dos momentos-chave em que devem lavar as suas mãos, utensílios e superfícies continua a ser um desafio para garantir a segurança alimentar nas famílias.
O trabalho desenvolvido foi sistematizado num artigo científico de acesso livre: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0956713521005715