Manuela Pintado é docente da Escola Superior de Biotecnologia e diretora e investigadora do Centro de Biotecnologia e Química Fina. É também co-líder do INSURE.hub, uma iniciativa da Católica que atua na área da sustentabilidade, inovação e regeneração. Transmontana de gema, veio para o Porto para estudar no liceu Carolina Michaelis e mais tarde ingressa na licenciatura em Ciências Farmacêuticas. A paixão pela investigação, pela partilha de conhecimento e pela transformação da sociedade são o motor da sua carreira profissional. Como líder, procura “mostrar que qualquer um de nós consegue crescer”.
Quais são as suas principais memórias de infância?
Os meus pais foram maravilhosos porque me ajudaram a ser a pessoa que sou hoje. Esta é uma das minhas grandes memórias de infância. Para além disto, é impossível não referir que tive uma doença dos 5 aos 12 anos que, inevitavelmente, me marcou bastante. Mas também me tornou mais resiliente. Cheguei a perder um ano de aulas e depois sempre vivi muito condicionada pelo meu estado de saúde. Aparentemente diziam que a doença não tinha solução, mas, afinal, quando tinha eu 12 anos, a ciência trouxe solução para o meu problema. Isto também me ensinou a ter sempre esperança e a acreditar muito na ciência.
De que forma é que isso marcou o seu futuro?
O que vivi na minha infância trouxe-me àquilo que sou hoje. A Ciência traz soluções para as nossas vidas e eu acabei por dedicar a minha vida à Ciência e à investigação. Sinto-me profundamente realizada. Graças ao que vivi, sempre fui muito resiliente e acredito profundamente que se nos esforçarmos e que se acreditarmos, conseguimos lá chegar. É esta a principal mensagem que retiro da minha infância.
É transmontana. De Freixo de Espada a Cinta.
As realidades transmontana e transfronteiriça marcaram-me muito. A minha mãe era espanhola e, portanto, íamos muitas vezes a Espanha. Lembro-me de me encontrar com os meus tios e família quase no meio da ponte. No fundo, hoje olho para isto com a capacidade de dizer que somos superiores àquilo que muitas vezes nos impõem. Quando queremos muito uma coisa, acabamos por consegui-la e aquilo que nos une é capaz de ultrapassar qualquer obstáculo.
Quando é que vem para o Porto?
Vim para o Porto no 9º ano. A minha irmã já vivia no Porto e por isso abriu-me as portas. Mudei radicalmente de realidade. Na altura, as diferenças que se sentiam entre o interior e a cidade eram ainda mais gritantes. Desde logo, na Escola. Não foi uma adaptação fácil. Vim para um dos liceus mais difíceis do Porto, o Liceu Carolina Michaelis. Havia um gap muito grande entre aquilo que eu tinha aprendido na escola em Trás-os-Montes e aquilo que os outros já tinham aprendido aqui na cidade. Tive de me esforçar muito para conseguir acompanhar o resto da turma. Tenho muito orgulho de ser transmontana, mas, inevitavelmente, tive de me adaptar à realidade urbana. Tentei sempre fazê-lo sem perder o valor e a identidade.
Como é que os seus pais assistiam a esta sua adaptação à cidade?
Nunca mais me esqueço de uma frase que o meu pai dizia: “Temos de confiar nos nossos filhos”. Trago isto em mim até aos dias de hoje. Foi um grande voto de confiança por parte dos meus pais, que acreditaram, verdadeiramente, na minha responsabilidade. Por exemplo, quando trabalho com investigadores, procuro estimular a sua autonomia. Foi isto que os meus pais fizeram comigo. Naquela altura, lembro-me que a confiança dos meus pais em mim me responsabilizou ainda mais. Cresci muito naqueles tempos.
É licenciada em Ciências Farmacêuticas. Porquê?
Sempre tive uma atração grande pela componente científica. Talvez o interesse pela saúde surja do problema de saúde que tive na infância. Desde nova fui obrigada a contactar com hospitais. Gostei imenso do curso. Deu-me muitas competências. Depois de ter terminado o curso, fui trabalhar para um laboratório. Gostava do que fazia, mas sentia que faltava alguma coisa. Comecei a perceber que eu tinha de tentar a investigação. Na altura, a Escola Superior de Biotecnologia era pioneira. Foi das primeiras escolas a começar com uma investigação avançada com toda a nova geração que se tinha doutorado, com oportunidades de projetos e bolsas. Fui atrás da minha paixão e, hoje em dia, sinto-me completamente realizada.
Entra, então, para a ESB em 1991 com uma bolsa de investigação.
Precisamente. Quando eu entrei, vim trabalhar para o grupo de investigação do Professor Xavier Malcata. O meu primeiro trabalho foi em kefir. O objetivo era caracterizar os grãos de kefir que existiam em Portugal. Entrei para a Escola Superior de Biotecnologia com uma grande especialização em saúde, porque vinha de análises clínicas. Juntei-me à Microbiologia e comecei a trabalhar a área dos laticínios. Entretanto, surgiu a oportunidade de entrar no mestrado. Fiz um ano de mestrado para captar competências de engenharia, porque não tinha essas competências e eram muito relevantes se queria entrar nas áreas da biotecnologia. Posteriormente entrei no doutoramento.
“Para que serve uma investigação que fica fechada no seu laboratório?”
Que áreas de investigação acabaram por orientar a sua carreira?
Iniciei na área dos laticínios, já na componente de valorização do soro. Na altura, ainda muito pouco explorada. Fiz um trabalho de investigação que consistia em criar alternativas para valorizar este subproduto. É um tema que me move até aos dias de hoje, porque me permite ajudar a sociedade, o planeta e a indústria através da criação de soluções de sustentabilidade que, em simultâneo, permitem a criação de novos produtos.
Mas trabalhou e trabalha com muitas outras áreas …
Sim, até porque durante muito tempo publicar na área da valorização de subprodutos era difícil. Mantive sempre muitos trabalhos paralelos, que também me apaixonaram, como desenvolver investigação que valoriza os nossos produtos tradicionais, como os queijos, por exemplo. Trabalhei muito com o Queijo da Serra. Como investigadores, temos essa responsabilidade de promover o valor que temos em cada região do país e de criar oportunidades para essas regiões se desenvolverem à volta de novos produtos. Para além disto, trabalhei na Associação para a Escola Superior de Biotecnologia, que implicava ter muita ligação com a indústria e aí, também, descobri uma grande paixão: o contacto com as empresas.
A ligação à indústria é um pilar da Escola Superior de Biotecnologia?
A ligação à indústria é parte da cultura da Escola Superior de Biotecnologia. É extremamente diferenciador. É através desta ligação que a nossa investigação ganha sentido. Temos uma capacidade e uma proximidade excecional com a indústria e com as empresas e é isto que nos permite fazer a diferença. A investigação tem de ser transformadora e é nesta proximidade com o mundo lá fora que conseguimos que a investigação tenha um verdadeiro impacto. Para que serve uma investigação que fica fechada no seu laboratório?
O que é que acontece quando se abre a investigação para o mundo?
Quando assim é conseguimos criar mais valor para as empresas, dar respostas aos problemas e necessidades das pessoas, conseguimos captar investimento internacional, melhorar a capacidade e as competências dos profissionais e muito mais. É para isto que serve a investigação e é isto que me move nesta profissão.
É diretora do Centro de Biotecnologia e Química Fina desde 2017. Como é que têm sido estes anos?
Integrei o Centro de Biotecnologia de Química Fina no início dos anos 90, quando o centro foi criado, e em 2016 tornei-me membro da direção do Centro que era liderado pelo Professor Tim Hogg. Em 2017, fui nomeada diretora e, de facto, aceitei o desafio com uma grande convicção de uma abertura do Centro à transformação e internacionalização. Havia dois grandes objetivos a curto prazo: integração de um grande projeto com uma empresa cotada na bolsa americana e o aumento da classificação pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Acreditámos que podíamos ser excelentes e somos. Foi muito gratificante perceber que toda a equipa, todos os investigadores, dos mais jovens aos mais seniores, se envolveram neste objetivo. Desde então que a minha missão como líder do CBQF se mantém. Estamos focados na transformação, na mudança e na melhoria contínua. É nossa prioridade mantermos uma equipa motivada e entusiasmada, assegurando um futuro sólido para os nossos investigadores. Queremos alavancar as nossas parcerias com as empresas, que são determinantes para suportar economicamente a investigação que fazemos, e continuar a fazer caminho pela investigação que realmente transforma o mundo.
O que é ser líder?
É, sobretudo, mostrar que qualquer um de nós consegue atingir os seus objetivos. Acredito muito na equipa que temos. A vida tem-me ensinado, ao longo dos anos, que é na relação com a pessoa e no diálogo que podemos ajudar a fazer a diferença.
“Ser professora é central para mim.”
É, também, co-líder do INSURE.hub, iniciativa da Universidade Católica Portuguesa - através da Escola Superior de Biotecnologia e da Católica Porto Business School - e da Planetiers New Generation, que tem como objetivo criar um ecossistema internacional de conhecimento transdisciplinar na área da Inovação, da Sustentabilidade e da Regeneração. O que é que esteve na base da criação deste hub?
Sozinhos não conseguimos resolver os grandes desafios da sociedade. No fundo, este foi o mote para a criação do INSURE.hub. Percebemos que, do ponto de vista da Inovação, não conseguíamos, em muitos momentos, transferir e implementar sem a visão económica e sem, em alguns casos, da própria Psicologia, que traz a dimensão da mudança de comportamento. Concretizar a sustentabilidade sem cruzar todas estas áreas não é possível. O INSURE.hub criou esta cultura da multidisciplinaridade. Ao serviço da comunidade! Existimos movidos pelas empresas e por aquilo que a sociedade nos pede.
O que é que diferencia a Católica relativamente ao tema da Sustentabilidade?
As áreas de conhecimento na maioria das instituições de ensino superior estão muito mais compartimentadas. Na Católica, temos esse valor de podermos combinar de forma diferenciadora as várias áreas. Este é um dos nossos grandes trunfos. Quando falamos de Sustentabilidade isto torna-se ainda mais claro. A Sustentabilidade não pode fazer parte de mim ou de uma faculdade em específico. A Sustentabilidade tem de se afirmar transversalmente e é isso que acontece na Universidade Católica. A Sustentabilidade é uma forma de estar e isto diferencia-nos muito. Este tema tem crescido gradualmente nas várias faculdades, com várias camadas de conhecimento, várias experiências e em muitos projetos. Na Católica, o nosso projeto de Sustentabilidade é coletivo.
Qual é a importância da docência na sua carreira profissional?
Ser professora é central para mim. Não me imagino a não ser professora. Um investigador que não partilha o seu conhecimento e que não o propaga, não cumpre a sua missão. A investigação e a docência coexistem.
Teve professores marcantes durante a sua vida?
Recordo um professor de Microbiologia que me ensinou imenso e que, com o seu rigor e disciplina, me fez apaixonar pela área. Ensinar Ciência é isto. É conseguirmos transmitir o que a Ciência tem de belo. O que tento fazer com os meus alunos é passar-lhes esta paixão pelo Conhecimento e como podem impactar a sociedade e a economia.
“Trás-os-Montes ensinou-me coisas muito importantes.”
O que mais gosta no Edifício de Biotecnologia?
É o ambiente que se vive no seu interior. A relação humana entre alunos, investigadores e docentes.
O que é que mais aprendeu por ter nascido no interior?
Trás-os-Montes ensinou-me coisas muito importantes. A resiliência, a relação com as pessoas, a entreajuda. No interior não somos uma pessoa, não somos uma família, somos um coletivo. Ajudamo-nos a todos e vivemos em verdadeira comunidade.
Depois de tantos anos a viver no Porto de que é que continua a ter saudades?
Da relação com as pessoas. Tenho lá muitos amigos ainda. No verão, encontramo-nos sempre. A relação com a família também é muito forte e, por isso, reunimo-nos. Já sem os meus pais para visitar, tenho uma casa que me traz essa saudade e que me reporta ao passado. Há uma ligação inquebrável. Freixo está sempre presente.
Pessoas em Destaque é uma rubrica de entrevistas da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto.